terça-feira, 15 de setembro de 2015

CULTURA – POESIA – LEONARD COHEN



UM POEMA DE LEONARD COHEN

KERENSKI

Nesta noite de inverno meu amigo passeia por nossa cidade,
de gorro de pele, assobiando, antimediterrâneo,
assustado em ver a Humanidade em tudo que é temporário.
Ele é o Kerenski de nosso Círculo
sempre prestes a presidir o último encontro oficial
antes dos prós tomarem posse, aqueles com olhos puros e sorridentes
treinados somente para a Forma.
     Ele sabe que não há meios de garantir
a Revolução, ou de preservar a vigorosa fileira de pingentes de gelo
que irá mapear o declínio do Inverno como um gráfico.
     Para ele não há nada a fazer a não ser presidir
o último encontro oficial.
Irá voltar tudo novamente: os professores infelizes
que põem num altar a poesia, seus alunos
que se recusam a sofrer, os rifles escondidos no sótão do advogado:
e então a mágica, aquele cometa de 80 anos comovendo
as casas mais inflexíveis. O Corpo de Elite comete suicídio
nos subterrâneos da quadra de tênis. Poetas passeiam de ônibus de graça.
O General insiste numa enquete popular. As tropas estudam sátira.
Prevalece uma estranha generosidade pública.
     Ele sabe mais que o suficiente daqueles pequenos momentos em que
tudo é possível, o orgulho é amado, a beleza
compartilhada, como conviver com a irmã delicada,
e um homem que oferece sua morte como uma espécie de conselho.
     Nosso Kerenski esperou por esses momentos
sentado num quarto alugado
enquanto os poemas apareciam como borboletas no lixo de sua vida.
Quantas vezes? A triste resposta é: elas podem ser contadas.
Breve e possível: essa é a sua visão da Revolução.
     Quem irá desfilar as bombas hoje?
Quem irá matar em nome
da aparência? Quem irá decretar uma Lei que levante os corpos 
que agora imploram apenas por capim e excremento?
Acompanhe ele passando pelas ruas, o último guarda, o único vadio
do quarteirão. Ele precisa proteger os destroços da Revolução
a ruína da beleza pública
dos olhos puros e sorridentes dos visionários treinados
que precisam da nossa vida diária perfeita.
A neve suave começa a reverenciá-lo com insígnias, e a provocar o passado animal de seu gorro de pele. Ele veste uma morte, mas consente que a neve, como uma resposta final, o perdoe, só por esse momento adornado de coroação. As gárgulas esculpidas da Prefeitura recebem a neve como se fosse um babador sob seus lábios salivantes. Como elas lembram aqueles homens de visão profana, a mesma ambição, a mesma intensidade daqueles que açoitam suas mentes a fim de evocar um remoto orgasmo feliz, sim, sim, ele conhece aquela concentração mortal, eles são os fundadores, eles são os banqueiros – da História! No meio do caminho ele faz uma pausa enquanto eles devoram da noite generosa tudo o que ele não precisa.

TRADUÇÃO: Fernando Koproski
FONTE: Leonard Cohen – Atrás das Linhas Inimigas de meu Amor; Editora 7 Letras; 2007.
VÍDEO COMPLETO do Tributo a Leonard Cohen - I'm Your Man – 2005: https://www.youtube.com/watch?v=08b7FrZsfls

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