UM POEMA DE LEONARD COHEN
KERENSKI
Nesta noite de
inverno meu amigo passeia por nossa cidade,
de gorro de pele,
assobiando, antimediterrâneo,
assustado em ver a
Humanidade em tudo que é temporário.
Ele é o Kerenski de
nosso Círculo
sempre prestes a
presidir o último encontro oficial
antes dos prós
tomarem posse, aqueles com olhos puros e sorridentes
treinados somente
para a Forma.
Ele sabe que não há meios de garantir
a Revolução, ou de
preservar a vigorosa fileira de pingentes de gelo
que irá mapear o
declínio do Inverno como um gráfico.
Para ele não há nada a fazer a não ser
presidir
o último encontro
oficial.
Irá voltar tudo
novamente: os professores infelizes
que põem num altar a
poesia, seus alunos
que se recusam a sofrer,
os rifles escondidos no sótão do advogado:
e então a mágica,
aquele cometa de 80 anos comovendo
as casas mais
inflexíveis. O Corpo de Elite comete suicídio
nos subterrâneos da
quadra de tênis. Poetas passeiam de ônibus de graça.
O General insiste
numa enquete popular. As tropas estudam sátira.
Prevalece uma
estranha generosidade pública.
Ele sabe mais que o suficiente daqueles
pequenos momentos em que
tudo é possível, o
orgulho é amado, a beleza
compartilhada, como
conviver com a irmã delicada,
e um homem que
oferece sua morte como uma espécie de conselho.
Nosso Kerenski esperou por esses momentos
sentado num quarto
alugado
enquanto os poemas
apareciam como borboletas no lixo de sua vida.
Quantas vezes? A
triste resposta é: elas podem ser contadas.
Breve e possível:
essa é a sua visão da Revolução.
Quem irá desfilar as bombas hoje?
Quem irá matar em
nome
da aparência? Quem
irá decretar uma Lei que levante os corpos
que agora imploram apenas por capim e excremento?
Acompanhe ele passando pelas ruas, o último guarda, o único vadio
do quarteirão. Ele precisa proteger os destroços da Revolução
a ruína da beleza pública
dos olhos puros e sorridentes dos visionários treinados
que precisam da nossa vida diária perfeita.
A neve suave começa a
reverenciá-lo com insígnias, e a provocar o passado animal de seu gorro de pele.
Ele veste uma morte, mas consente que a neve, como uma resposta final, o
perdoe, só por esse momento adornado de coroação. As gárgulas esculpidas da
Prefeitura recebem a neve como se fosse um babador sob seus lábios salivantes.
Como elas lembram aqueles homens de visão profana, a mesma ambição, a mesma
intensidade daqueles que açoitam suas mentes a fim de evocar um remoto orgasmo
feliz, sim, sim, ele conhece aquela concentração mortal, eles são os
fundadores, eles são os banqueiros – da História! No meio do caminho ele faz
uma pausa enquanto eles devoram da noite generosa tudo o que ele não precisa.
TRADUÇÃO: Fernando
Koproski
FONTE: Leonard Cohen –
Atrás das Linhas Inimigas de meu Amor; Editora 7 Letras; 2007.
SOBRE LEONARD COHEN: http://www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/44508
VÍDEO
COMPLETO do Tributo a Leonard Cohen - I'm Your Man – 2005: https://www.youtube.com/watch?v=08b7FrZsfls
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