6 POEMAS DO VELHO BUK
FAZ ALGUM TEMPO
era quase manhã
melros no fio do telefone
esperando
enquanto eu comia
um sanduíche de ontem
às 6 da matina
dum calmo domingo.
melros no fio do telefone
esperando
enquanto eu comia
um sanduíche de ontem
às 6 da matina
dum calmo domingo.
um sapato no canto
de pé
o outro ao
lado
de pé
o outro ao
lado
sim, algumas vidas foram feitas para ser
perdidas.
perdidas.
A GERAÇÃO PERDIDA
tava lendo um livro sobre uma literata rica
dos anos vinte e seu marido
beberam, comeram e curtiram por toda a
Europa
encontrando-se com Pound, Picasso, A. Huxley, Lawrence, Joyce,
F. Scott, Hemingway e muitos
outros.
as celebridades eram como brinquedinhos para
eles
e pelo que li
as celebridades curtiram a ideia de ser
brinquedinhos.
durante todo o livro
esperei que ao menos uma das celebridades
dissesse para a literata rica e seu
rico literato marido
que caíssem fora
mas, pelo jeito, nenhum deles
o fez.
Em vez disso, deixaram-se fotografar com a senhora
e seu marido
em várias praias
com cara de inteligente
como se tudo isso fizesse parte
da Arte.
talvez o fato de a mulher e seu marido
serem donos de uma grande mídia
tivesse algo a ver
com isso.
e foram todos fotografados juntos
em festas
ou na calçada da livraria de Sylvia Beach.
é verdade que muitos deles eram
artistas ótimos e/ou originais
mas tudo parecia tão esnobe e
afetado,
e o marido finalmente cometeu
seu tão anunciado suicídio
e a senhora publicou um dos meus
primeiros contos
nos anos 40 e agora
está morta, mas
não consigo perdoar nenhum dos dois
por suas vidas ricas e imbecis
também não consigo perdoar seus brinquedinhos
por se sujeitarem
a isso.
dos anos vinte e seu marido
beberam, comeram e curtiram por toda a
Europa
encontrando-se com Pound, Picasso, A. Huxley, Lawrence, Joyce,
F. Scott, Hemingway e muitos
outros.
as celebridades eram como brinquedinhos para
eles
e pelo que li
as celebridades curtiram a ideia de ser
brinquedinhos.
durante todo o livro
esperei que ao menos uma das celebridades
dissesse para a literata rica e seu
rico literato marido
que caíssem fora
mas, pelo jeito, nenhum deles
o fez.
Em vez disso, deixaram-se fotografar com a senhora
e seu marido
em várias praias
com cara de inteligente
como se tudo isso fizesse parte
da Arte.
talvez o fato de a mulher e seu marido
serem donos de uma grande mídia
tivesse algo a ver
com isso.
e foram todos fotografados juntos
em festas
ou na calçada da livraria de Sylvia Beach.
é verdade que muitos deles eram
artistas ótimos e/ou originais
mas tudo parecia tão esnobe e
afetado,
e o marido finalmente cometeu
seu tão anunciado suicídio
e a senhora publicou um dos meus
primeiros contos
nos anos 40 e agora
está morta, mas
não consigo perdoar nenhum dos dois
por suas vidas ricas e imbecis
também não consigo perdoar seus brinquedinhos
por se sujeitarem
a isso.
DEFININDO A MÁGICA
um bom poema é como uma cerveja gelada
quando você está na fissura
um bom poema é como um delicioso
sanduíche quando você está
faminto
um bom poema é uma arma quando
a bandidagem te cerca
um bom poema é algo que
te permite andar pelas ruas da
morte
um bom poema faz a morte derreter como
manteiga
um bom poema emoldura a agonia e
a pendura na parede
um bom poema faz seus pés tocarem
a China
um bom poema faz a mente estilhaçada
voar
um bom poema torna possível cumprimentar
Mozart
um bom poema possibilita que você jogue dados
com o diabo
e vença
um bom poema pode quase tudo
e o mais importante
um bom poema sabe quando
parar
quando você está na fissura
um bom poema é como um delicioso
sanduíche quando você está
faminto
um bom poema é uma arma quando
a bandidagem te cerca
um bom poema é algo que
te permite andar pelas ruas da
morte
um bom poema faz a morte derreter como
manteiga
um bom poema emoldura a agonia e
a pendura na parede
um bom poema faz seus pés tocarem
a China
um bom poema faz a mente estilhaçada
voar
um bom poema torna possível cumprimentar
Mozart
um bom poema possibilita que você jogue dados
com o diabo
e vença
um bom poema pode quase tudo
e o mais importante
um bom poema sabe quando
parar
SIM
há coisas piores que
estar só
mas nos custam décadas
até que percebamos
e geralmente
quando conseguimos
é tarde demais
e não há nada pior
que
ser tarde demais
estar só
mas nos custam décadas
até que percebamos
e geralmente
quando conseguimos
é tarde demais
e não há nada pior
que
ser tarde demais
ESTAR SOZINHO
quando a gente pensa no tanto
que deu errado
de novo e novamente
a gente começa a olhar pras paredes
e fica por lá
porque as ruas são aquele
mesmo velho filme
e todos os heróis acabam como
heróis de velhos filmes:
bunda gorda, cara gorda e o cérebro
de uma lagartixa.
que deu errado
de novo e novamente
a gente começa a olhar pras paredes
e fica por lá
porque as ruas são aquele
mesmo velho filme
e todos os heróis acabam como
heróis de velhos filmes:
bunda gorda, cara gorda e o cérebro
de uma lagartixa.
não é de se admirar que
um homem sábio escalará
uma montanha de 3 mil metros
e sentará lá esperando
vivendo de frutinhas selvagens
em vez de confiar no bagaço dos joelhos
que certamente não durarão a vida toda
e em duas de cada três vezes
não sobreviverá uma noite sequer.
um homem sábio escalará
uma montanha de 3 mil metros
e sentará lá esperando
vivendo de frutinhas selvagens
em vez de confiar no bagaço dos joelhos
que certamente não durarão a vida toda
e em duas de cada três vezes
não sobreviverá uma noite sequer.
montanhas são difíceis de escalar.
as paredes são suas amigas.
aprenda com elas.
as paredes são suas amigas.
aprenda com elas.
o que eles nos dão lá fora
nas ruas
é algo que mesmo as crianças
se encheram.
nas ruas
é algo que mesmo as crianças
se encheram.
fique com suas paredes.
elas são o amor mais verdadeiro.
elas são o amor mais verdadeiro.
construa onde ninguém constrói.
é o último caminho que resta.
é o último caminho que resta.
COMETI UM ERRO
me estiquei todo até a prateleira mais alta do
armário
e puxei de lá um par de calcinhas azuis, minúsculas
e mostrei a ela
e perguntei: são suas?
e puxei de lá um par de calcinhas azuis, minúsculas
e mostrei a ela
e perguntei: são suas?
ela olhou e disse:
não, devem ser da vadia
não, devem ser da vadia
depois disso, ela se foi e não a vi
nunca mais. não está em sua casa.
continuo passando por lá, colocando bilhetes
por debaixo da porta. volto e os bilhetes
continuam lá. tiro a Nossa Senhora Aparecida
do retrovisor do meu carro e a amarro
em sua maçaneta com um cadarço, deixo
um livro de poemas.
na noite seguinte, quando retorno, tudo
continua no mesmo lugar.
nunca mais. não está em sua casa.
continuo passando por lá, colocando bilhetes
por debaixo da porta. volto e os bilhetes
continuam lá. tiro a Nossa Senhora Aparecida
do retrovisor do meu carro e a amarro
em sua maçaneta com um cadarço, deixo
um livro de poemas.
na noite seguinte, quando retorno, tudo
continua no mesmo lugar.
continuo rondando as ruas à caça
daquele encouraçado roxo que ela dirige
sempre com a bateria fraca e as portas
penduradas, estropiadas.
daquele encouraçado roxo que ela dirige
sempre com a bateria fraca e as portas
penduradas, estropiadas.
dirijo pelas ruas
a um passo de chorar,
envergonhado com meu sentimentalismo e
possível amor.
a um passo de chorar,
envergonhado com meu sentimentalismo e
possível amor.
um homem velho e confuso dirigindo na chuva
se perguntando onde é que a sorte
foi parar.
se perguntando onde é que a sorte
foi parar.
(Traduções de FABIANO CALIXTO)
Poeta, contista e romancista HENRY CHARLES BUKOWSKI JR. é
considerado o último escritor maldito da literatura norte-americana. Nasceu na
Alemanha, mas se mudou para os Estados Unidos aos 3 anos. Bukowski começou a
escrever poesias aos 15 anos mas seu primeiro livro foi publicado somente 20
anos depois, em 1955. Dotado de um humor ferino e comparado
a Henry Miller e Ernest Hemingway, sua obra é marcadamente autobiográfica. O
estilo obsceno e coloquial e uma aparente forma descuidada com a escrita com
temas recorrentes como: prostitutas, alcoolismo, corridas de cavalos,
experiências escatológicas, sempre dividiu a crítica. Para alguns apenas um
resquício da geração beat de Jack Kerouac e Allen Ginsberg, para outros — como
o filósofo francês Jean-Paul Sartre —, o maior poeta da América.
FABIANO CALIXTO nasceu em
Garanhuns, PE, em 8 de junho de 1973. Vive em São Paulo. É doutorando em Teoria
Literária e Literatura Comparada na USP. Publicou os
seguintes livros de poesia: Algum (edição do autor, 1998); Fábrica (Alpharrabio
Edições, 2000); Um mundo só para cada par (Alpharrabio Edições,
2001) – com Kleber Mantovani e Tarso de Melo; Música possível (CosacNaify/
7Letras, 2006); Sangüínea (Editora 34, 2007); A canção do
vendedor de pipocas (7Letras, 2013); Para ninar o nosso naufrágio (Corsário-Satã,
2013); Equatorial (Edições Tinta-da-China, 2014) e Nominata
morfina (Corsário-Satã/Córrego/Pitomba, 2014).
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