CENA 1: Boate Bon
Gourmet, Rio de Janeiro, 1962
Era primavera na cidade sensual à beira-mar.
Era a noite de estreia daquela que provavelmente
seria a mais famosa apresentação de um novo estilo musical chamado Bossa
Nova.
Era uma boate minúscula, a Bon Gourmet, e um show
cujo elenco de músicos era minúsculo também. Apesar de seu número diminuto, o
elenco tinha peso musical. Dê uma olhada em seus nomes e você saberá o por quê.
Primeiro - afinal, o show era dele - havia um
cantor baiano chamado João Gilberto, um diplomata do Itamaraty chamado
Vinícius de Moraes, um grupo de malabaristas vocais chamado Os Cariocas e um
percussionista de mão leve, muito leve, conhecido pelo nome incomum de Milton
Banana.
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TOM DE COSTAS, JOÃO DE FRENTE |
Finalmente, havia um jovem e esbelto pianista
conhecido como Tom Jobim.
Foi uma noite memorável para o Brasil e para um
fotógrafo chamado David Zingg. A Bossa Nova estava a caminho de realizar algo
que nem Adolf Hitler ou Joe Stalin tinham conseguido: conquistar o mundo.
A primeira vez que ouvi a versão enxuta e
despojada do clássico samba carioca, fiquei extasiado, simplesmente.
Enfeitiçado.
Hipnotizado.
Nocauteado.
Profundamente transformado.
Reprogramado emocionalmente de maneira terminal.
Permita-me que explique o que estava fazendo
aquela noite no Bon Gourmet, tão longe - pelo primitivo 707 - da minha base
de origem, Nova York.
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TIO DAVE FOTOGRAFANDO MODA |
Em 1962 eu era jornalista freelancer que virara
fotógrafo depois de trabalhar como editor e redator na redação da revista
Look, uma espécie de combinação de O Cruzeiro e Manchete, mas publicada em
papel melhor.
A Look e sua arquiconcorrente Life eram os olhos
da Gringolândia. Até o final dos anos 60, elas possuíam a audiência e o poder
maciço que, mais tarde, seriam transferidos para a TV.
Eu, sortudo, tinha conseguido um emprego
interessante e bem pago como assessor editorial de uma revista nova, rica e
influente, chamada Show.
(Mesmo que falte um sanduíche para completar seu piquenique, Joãozinho, você
deve ser capaz de adivinhar que a Show era dedicada às artes.)
Foi esse emprego que me levou à Bon Gourmet
naquela noite que iria moldar tantos destinos. Voltei à boate noite após
noite, me deliciando com aquela nova música - também me deliciei com quantidades
desmedidas de uísque escocês, ao lado de Tom e Vinícius.
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VELHO VINA SEGURANDO A PROA |
CENA 2: Nova
York, meses mais tarde, em torno de águas fortes.
Tio Dave e seu amigo, o editor Bob Wool, acabam
de fechar sua edição especial da revista Show sobre a situação das artes na
América do Sul.
Eles estão comemorando o feito no P.J. Clark's,
um bar frequentado por jornalistas. Estão felizes. Já estão no quarto martíni
duplo e estão seriamente bêbados.
Wool (enrolando a língua): "O único probleminha agora é como vamos
promover nossa edição especial".
Zingg se sente profundamente inspirado pelo LP
"Canção do Amor Demais", que trouxe do Brasil. Ele o ouve 24 horas
por dia, para preocupação de alguns de seus amigos, que acham que ele deixou
seu bom senso para trás num bar brasileiro, sob os cuidados de um músico
chamado Tom Jobim.
Zingg também está ébrio e feliz, mas está
inspirado pela música de Jobim e pelo gim, em partes iguais:
"Simples", declara, demonstrando sua criatividade inata. "É só
alugar o Carnegie Hall e uma frota de aviões e chamar a tropa toda dos
músicos de bossa nova para Manhattan, para montarem um show por aqui."
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TIO DAVE FOTOGRAFANDO ÍNDIO |
Dito e feito.
Uma vez recuperados da ressaca brutal, nossos
jovens e corajosos repórteres conseguem o apoio de Dora Vasconcellos (poetisa
e consulesa brasileira em Nova York) e de Mário Dias Costa, então diretor de
assuntos culturais do Itamaraty, no Rio.
Dora vendeu a ideia a uma gravadora trapaceira
que pagou o aluguel da sala de concertos.
Mário usou algum tipo de chantagem e conseguiu
arrancar da Varig um número enorme de passagens aéreas gratuitas para os
músicos.
A maioria deles acabou dormindo no chão, em
apartamentos nova-iorquinos pertencentes a fãs brasileiros de espírito
hospitaleiro.
O show virou negócio fechado.
CENA 3: São
Paulo, 20 anos depois
A música de Tom Jobim foi a alavanca que me
impeliu para uma nova vida, na condição de residente permanente no Brasil. A
vida é uma espécie de faixa de Möbius. Eu tinha ajudado a dar Jobim e a Bossa
Nova ao mundo.
Agora, em 1985, Tom estava entrevistando Zingg
para a edição de dezembro da revista transada de Walter Carelli, a Status:
"Depois, o David veio para o Brasil. E diz
que foi por minha causa, mas na verdade ele vivia na praia, no Arpoador,
jogando peteca e frescobol com meninas bonitas e nunca voltou.
"Depois, quando o Rio começou a ficar chato - e de fato ficou, virou
esse balneário bagunçado - ele se mudou para São Paulo, a nossa Nova York.
"Jaime Ovale costumava dizer que São Paulo é os Estados Unidos do
Brasil. 'E Nova York, o que é Nova York, Jaime?', nos perguntavam. 'Nova York
é a São Paulo do mundo'."
"Bem, é a cidade de David Drew Zingg."
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PIXINGA, CAYMMI, VINA, BADEN E TOM NA CAPA |
FIM DA AULA
Muito bem, classe: a aula de hoje do professor
Dave já acabou. Se vocês se comportarem muuuuito bem, um dia destes eu conto
outros segredinhos de réporter, coisas tipo:
1) Por que o presidente Jack Kennedy ligou para seu assessor de imprensa,
Pierre Salinger, e berrou: "O que esse filho da puta do Zingg está
querendo fazer? Foder comigo?"
2) Por que Oscar Niemeyer odiava os retratos feitos pelo fotógrafo a tal
ponto que reclamou: "você me faz ficar com cara de macaco".
3) Por que Zingg quase caiu de costas num restaurante de Nova York quando sua
namoradinha de verão de '42, Oona, apresentou um sujeito que aparentava ser
seu avô. Oona, que tinha apenas 18 aninhos, sorriu meio sem jeito e disse:
"David, quero lhe apresentar meu futuro marido, Charles Chaplin."
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