LUA
DE MEL EM PORTO SEGURO (I)
UMA LENDA
VERDADEIRA EM VÁRIAS PARTES
Vinte e dois
aninhos, por ai. Eu e ela, Jonas e Mona. Reza a lenda que nascemos na mesma
maternidade. Foi lá que nos conhecemos, reza ela, a lenda. Nasci dia 26 e ela
22 de maio, e que fique aqui claro que do mesmo ano. Naquele tempo tinha a tal
da incubadora e Mona, parece, estacionou por lá uns dias. Quando nasci, dias
depois, nos apresentaram no berçário. Rezam que ficamos em berços vizinhos
sorrindo um pro outro, esticando os bracinhos na vã e tresloucada tentativa de
entrelaçarmos nossas mãos.
Vinte e dois
aninhos, por aí, depois do sucedido e explanado aí acima, nos reencontramos assim
por acaso ou, sei lá, por determinação dos céus. Estava eu a me embebedar
fortemente na beira do balcão do bar original Rei das Batidas, ali em Sampa
City, na Valdemar Ferreira, entrada da USP, quando ela entrou esvoaçando todos
aqueles panos do vestido soltinho, florido e na altura dos joelhos. Domingão, o
sol comendo. Ela veio direto e me perguntou, assim: “Você que é o Jonas?”
Tremi, os joelhos vergaram, gaguejei mais do que o costume e tentei responder:
“s-s-s-i-i-i-m”. Aquela mulher já tinha abandonado o hábito de ser apenas uma
mulher e já tinha se tornado uma entidade. Ela era uma afronta.
Então Mona
contou como soube de mim. Disse que lia minhas cartas, e que amara minha
escrita, e também amara minha letra de forma. Ela lera todas as epístolas que
eu enviava regularmente ao Saulo Renato. Saulo e eu mantínhamos uma
correspondência rica e fluente. Então que a Mona era colega de faculdade da
irmã do Saulo, ficou amiga do Saulo e começou a sair com o Saulo, apenas como
amigos, disse ela. Aí convidei a menina-moça-mulher pra uma cerveja. Foi quando
ela respondeu que não podia porque o Saulo estava esperando por ela no carro
ali na esquina e que iriam ao jogo do Corinthians X Portuguesa de Desportos no estádio
do Morumbi. Portanto, revendo agora meus arquivos, descubro que tudo isso
aconteceu exatamente no dia 18 de março de 1973. Ela disse: vamos? Eu disse: v-v-v-a-a-a-mos.
Mona e Jonas, segundo a lenda |
Estádio
lotadaço, como diria o Fiori Giglioti. Fomos pra arquibancada corintiana. Saulo
na ponta-direita, eu na esquerda, e Mona no meio de campo. Do jogo mesmo eu não
estava vendo nada. Só soslaio. As bochechas de Mona, os gritos de Mona, aqueles
cabelos com todas as cores entre o castanho e o dourado de Mona, o sol era
Mona, tudo no mundo era Mona. Até que saiu o gol. O único gol. A euforia nunca
foi tanta, pelo menos pra mim, depois que ela me agarrou e me beijou com
eufórica intensidade.
Depois de
passados 41 anos, algo se perdeu, na verdade muito se perdeu, principalmente
minha memória se perdeu. Então aquele trecho de tempo que foi entre sair do
estádio, entrar no carro do Saulo e chegar ao bar do Tordilho, desapareceu completamente
da minha cachola. O fundinho do bar estava lotado. Era lá, no bar da Eugênia,
que a corintianada e fieis amigos de juventude se reuniam. O Saulo já foi
arranjando uma cadeira, ficamos por ali. O Fi na viola, o Biluzinho no
atabaque, o Claudião cofiando os bigodes e as barbas e assim por diante.
Aurelinho trajava uma sobretudo vermelho com a imagem de um leão em preto. A
Márcia estava. A Claudinha, irmã do Fi, na época namorava o Cidinho, que
ajeitava os óculos de segundo a segundo que teimava em escorregar do nariz.
Ficamos, eu e Mona, meio que encostados na entrada dos banheiros. Era um tempo
de grana curta e cabelos compridos. A moda era uma cachaça chamada Mineirinha,
virei duas pra afastar a tremedeira. A Mona se encostava em mim
propositadamente no meio daquele aperto todo, cheio de gente falando desbragadamente,
cantando, tocando e invocando Baco. O Saulo me falou que precisava ir buscar
uma amiga nossa, perguntou se eu queria ir junto, perguntou pra Mona se ela
queria ir junto. Fomos. Mona na frente e eu atrás. O Saulo estacionou o carro
numa rua de Pinheiros e disse: esperem um pouco, vou chamar a Meg e já volto.
Creio que o Saulo ficou apoquentado quando voltou acompanhado da Meg e percebeu
o seu automóvel vazio, vazio, vazio.
Eu dividia um
apartamento com um paraguaio especialista em consertar dentaduras. O
apartamento ficava a seis quadras do lugar onde o Saulo estacionara. Aquilo foi
uma fuga? Fugimos nós? Bem, meu bem, só sei dizer que eu e a Mona ficamos
internados por duas noites e dois dias no meu quarto. Depois de um mês estávamos
viajando em lua de mel pra Porto Seguro.
Segurem-se, queridos
leitores. A prorrogação da história está por vir. Semana que vem têm mais.
Amei de paixão.Mona
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