A VERDADEIRA VIDA DE CLOTHILDE
Por exemplo. É sempre assim que eu
começo a maioria dos meus textos. Por exemplo, a Thayz na verdade é uma mulher
inflável com cérebro monitorado por controle remoto. Quem controla é o Saul, às
vezes de longe, quase sempre de pertinho mesmo. O Saul tem mania de meter a mão
no bolso. Quem vê de fora acha que o cara tá de sacanagem, se alisando. É não.
O Saul tá é mesmo manipulando a porra do controle remoto, quer dizer, o
cérebro e, por consequência, os membros infláveis da... Thayz. Isto é mera introdução. No jornalismo
os caras chamavam de nariz de cera, mas pra mim, aqui e agora, é só uma maneira
de tomar coragem pra contar o que realmente importa: as travessuras da Clothilde.
Vamos começar logo pelo final porque minha
“memória recente”, segundo chamam os especialistas, foi pro saco; tudo culpa do
Alzheimer. Clothilde é tabagista invertebrada. Acabou de dar uma lufada de
Dunhil branquinho aqui nas minhas fuças. Ela não admite que eu fique escrevendo
enquanto vagueia pelo quarto-sala-cozinha-banheirinho peladona. Se acha no
direito de possuir todos os direitos. Então ela fica nesse vai e vem, rodando.
Por tabagista, podemos dizer, explicando melhor, que ela acende um na brasa do
outro.
(A guisa de esclarecimento: várias das
minhas melhores amigas ficarão levemente furiosas com estas minhas declarações
sobre a Thilde – como os meninos, todos assanhados, apelidaram a Clo lá na rua
dela quando era menininha e dava pra todos eles, de boa. Vão dizer, as minhas
amigas, que eu me transformei num misógino. Sei lá que porra é essa, mas virou
moda agora dizer que todo sujeito que não tem papas na língua é misógino ou
politicamente incorreto. Então, finalmente esclareço: foda-se.)
Presentemente a Thi – vamos chamá-la
assim a partir de agora que é pra simplificar – é da pá virada e vive do
passado. Dizem as pessoas do bairro, da cidade e do entorno que ela sempre foi
assim. Basta lembrar que aonde ela vai, leva dentro daquela bolsa enorme um
retrato de dois por dois (palmos), todo dobradinho que nem sanfona, da época em
que ela foi miss primavera do clube Aspéria das quebradas da Vila Clemente
Benedette. Tudo isso quando ela era possuída de doze aninhos. De lá pra cá a
Thi descambou. Diz que não liga pras aparências, mas vive de salto 18 e
shortinho branco, aquele um, bem curtinho. Ela diz que não tá nem aí pra pele, pra
barriga avantajada, pras pálpebras infladas e pras estrias das coxas magrinhas. Só que já percebi que ela fez uns enxertos nas bochechas de cima, nas bochechas
do meio campo e nas bochechas da área de trás. Odeia pintar as unhas. Então
ficam aquelas unhas manchadas de nicotina que ela apara nos dentinhos, também
cravejados de nicotina, alcatrão e outras firulas químicas detestáveis pros puristas
vigilantes da saúde alheia. A verdade é que ela tá doidinha da Silveira. É
viciada, por exemplo, em fazer pose de miss primavera no deck da piscina do Clube
Aspéria, ainda. Fica pra lá e pra cá rodando, dando voltinhas e baforadas e
carregando a latinha de Schincariol e se expondo pra ninguém ver. Se sentindo
desprezada, então ela entorna mesmo. E, lá pelas 16 horas e 48 minutos dos
sábados, faça chuva ou faça sol, ela começa a meter o bedelho na vida dos
outros só pra chamar a atenção pra si. Ou seja, calúnia, difamação e injúria. O
último escolhido fui eu mesmo. Foi a própria desmiolada quem me contou a
história toda. Foi dito e comentado, inclusive por todos ali da rodinha roxa
(sim, eles todos se vestem de maios, biquínis e calções roxos e são louquinhos
por fotinhas) que eu, o barítono aqui, tinha caso com o travesti Ariovaldo. Que
porra é essa? Pura maledicência. O Ariovaldo sempre foi pra mim um verdadeiro
pai. Então quer dizer que só porque ele me paga umas caixas de Estrela Galícia
lá no bar do Canova, eu sou caso dele, ou ele d’eu? Só porque ele compra
roupinhas transadas lá no Shopping Alvarado pr’eu, eu enrabo o boiola? Ora,
tenham dó de um pobre e inocente senhor. Esse tipo de maledicência não pode mais
acontecer. Tá tudo entregue nas franjas do advocatício. Vai dar uma boa grana
esse processo.
A Thi acabou de voltar do boteco
carregadinha de garrafas. Ela estava peladona e antes de sair pro bar se vestiu
de uma saída de banho completamente transparente. Demorou uma hora e meia pra
ir daqui até a esquina e voltar. A rapaziada do bar deve ter enlouquecido de
tanto rir. A Thi é assim mesmo, sem pundonores. Mas ela já foi melhorzinha. Se
hoje fosse trinta e dois anos atrás o povo do boteco ficaria babando por três
dias. Agora já passou. Só ela se acha.
A Thilde, só pra variar, morou em
Barcelona nos idos dos seus dezesseis aninhos. Fingiu-se de traveca e ganhou
uma boa grana. Voltou de lá falida e mal paga, por conta daquele vício que ela
adquiriu lá. Ela disse que já se curou. Não acredito em nada do que ela diz. Outro
dia ela me contou que no tempo em que viveu que nem hippie em Floripa, ela teve
um caso com um ricaço que a levava pra comer lagosta. De repente perguntei o
nome do sujeito e ela, de pronto, disse que esqueceu. Dá pra acreditar numa
coisa dessa?
Bem, gente, a Thilde tá me exigindo.
Ela quer cuidados. Tadinha, mal consegue ela se virar sozinha. Vou levantar a moça
da cadeira de rodas e ajeitá-la no vaso sanitário. Tá na hora.
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